quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O vinho bom é aquele que me sabe bem.

O livro de Jonathan Nossiter que continua o filme de 2004 Os Tios da Moda ganharam a vaidade de fazer vinho. Agora arrogam-se como enólogos e mais do que isso "wine makers".
A língua do "marketing" é tão sintética que não há expressão em Português! 
Na nossa pobre língua tinha de se dizer o quê, chamar-lhes como? Vinicultor?... Nã!!... Viticultor?...Vitivinicultor?... Nada disso. Produtor de Vinho?... Vinhateiro?... Não!!!... 
"Wine maker" é mesmo Marteleiro?!
Pois têm a mania que o vinho bom é o que eles fazem. E principalmente porque pagam por uma garrafa o preço que vale o pipo. Aplicam ao vinho as regras do mercado dos papéis. Isto é, as regras da especulação e do faz de conta. 
Este dito mercado e a sua suposta sofisticação, tem muito a ver com as quermesses das aldeias em que é leiloado um enchido e aparece sempre uns bilontras armados em ricos que se juntam e disputam essa presunção inflacionando o valor da farinheira além do valor da saca de farinha, deixando o remediado apreciador de farinheira com grêlos a comer só grêlos com batatas e cebolas cozidas, pensando que afinal é tudo a bem da caridade das obras de caridade da confraria dos órfãos e dos irmãos desvalidos.

Curioso é que um dos senhores que escreve para as revistas e faz opinião, tem gabinete de prova na sua própria casa. -Tudo isto se vê no filme "Mondovino" do Jonathan Nossiter. O filme é extraordinário por nos revelar estas personagens e a fragilidade das suas encenações grandiloquentes em que o rei vai nu. - Quem não viu o filme pensará que o gabinete de prova é tipo uma sala laboratorial. Ou pelo menos uma sala preparada para provar vinho, limpa e asseada e sem pulverizações de perfume no ar. Pois a sala deste senhor, bilontra, "opinion maker" é uma espécie de sala de estar cheia de tralha diversa onde enquanto ele vai tirando umas fumaças do seu charuto, os seus cães flatulentos vão largando as ventosidades fedorentas criando um ambiente de excelência (excelência-uma palavra tão na moda) em que se classificam de zero a cem, os vinhos do mundo. O vinho não é um produto natural, no sentido em que só as uvas são. Os vinhos sempre foram o espelho da cultura dos seus produtores e do chão que o origina. Este conceito de "terroir", de chão, tão caro aos franceses existe na nossa língua exactamente com a mesma carga ecológica sinónima. Cada pedaço de chão é um biótopo do biótopo maior que é o ecossistema onde se insere uma vinha. Por isso à vinha faz falta o souto que a abriga do vento norte, as fragas que acumulam a temperatura e impedem a formação de geada e até as toupeiras que fazem os túneis por onde é drenada a água excessiva. Em cada vinha há vários chãos ao ponto de haver alguns tão pequenos que se reduzem a poucos pés de videira. A esta base que alguns definem como estrutura juntam-se as castas, juntam-se as condições climáticas do ano. Junta-se também a cultura e a história do produtor, os cuidados postos no acompanhamento do crescimento e maturação das uvas e por aí fora até à mesa. Por exemplo alguns "wine makers", descobriram ou foram ilustrados por alguém que há uma altura em que se deve apanhar as folhas da videira. Este conhecimento singelo faz parte do conhecimento vasto e profundo que é acumulado na história do produtor e que é transmitida ao longo de gerações. A ciência lá explicará que desfolhar a videira areja a planta, permite a entrada de mais sol para o fruto, e disponibiliza-lhe alguma seiva que assim é poupada na altura em que a humidade escasseia no solo. O "wine maker" porém desconhece que ao desfolhar a videira para o chão está desperdiçando. As magníficas parras destinavam-se tradicionalmente à alimentação animal, como eles dizem no seu linguarejar económico, destinavam-se acrescentar valor. 
A cadeia de valor incrementava-se de múltiplas formas: Não só na alimentação dos animais em altura de escassez de pasto mas também como folha de embrulho de merendas e até ao servir como folha de papel, na sua utilização menos higiénica. Voltava depois ao chão da vinha na forma de valor máximo: o estrume curtido. 
Os bilontras da escala centígrada que dão pontos ao vinho, nomeadamente os que andam cá por casa, em Portugal, têm uma característica curiosa ficam enternecidos quando vêem mulheres porque acham que o vinho é uma coisa de "gajos":
 - "E como veio parar uma senhora a este mundo do vinho?"  Ouvi um bilontra que escreve sobre comida e vinhaça perguntar. 
As mulheres sempre foram parte fundamental no apurar do gosto do vinho! O paladar e o olfacto mais sensível é delas, afinal são elas que amamentam e a evolução deu-lhes a apurada sensibilidade da identificação subtil dos cambiantes do que é bom, do que é tolerável e do que é nocivo. Na culinária é igual. Os denominados Chefes menosprezam os que dizem que a sôpa da avózinha é que era boa mas a Grande Cozinha, é apenas a Farsa em que eles roubam o livro das receitas que a avózinha guardava e a Grande Culinária dos Gastrónomos é só a maneira ardilosa de disfarçar o sabor a ranço dos produtos sem frescura. Mas isto é outra história. Resumindo, creio que ao vinho não se pode aplicar um processo industrial de replicação em grande escala. Quanto maior for o número de litros maior o volume da mistura, mais difícil a sobrevivência de aromas subtis e a articulação com os mais intensos. Por isso os vinhos de grande tiragem seguem este gosto marteleiro dominante de vinhos muito alcoólicos e adocicados depositados em barricas de madeira nova para que fiquem aromatizados intensamente a baunilha e canela. 
A marca comercial, a "trade mark" tão cara aos anglo-saxões é a máscara de uma fórmula. Atrás da marca supõe-se que haja um padrão de qualidade. Isso pode garantir a fiabilidade de uma gasosa americana ou até de uma cerveja alemã. Mas só a denominação de origem e o ano de produção podem responder à gama de variáveis subjectivas que são os parâmetros de comparação entre vinhos, e abrigar a noção que há diferenças que os tornam diferentes entre iguais e por isso não comparáveis. Finalmente é de afirmar: que temos os melhores vinhos do mundo ainda antes dos bilontras o dizerem; que o Jonathan Nossiter que vive no Brasil bebe diáriamente destes vinhos que têm preços acessíveis. E surpresa das surpresas alguns provêm da Região do Vinho Verde, uma região menosprezada no julgamento porque os tintos ninguém os entende e os brancos acham sempre que lhes falta teor de álcool que não envelhecem etc. Diz ainda ele que na Bairrada há vinhos brancos que têm ao paladar sabores insuperáveis que não existem em mais nenhum vinho do mundo. E agora digo eu, a casta Baga da Bairrada será ainda muito falada.

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