sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Assinaturas na Calçada Portuguesa




A calçada é a primeira saudação e o primeiro gesto de hospitalidade com que a urbe acalenta os passos cansados do viajante que procura acolhimento.
Esse trabalho exposto ao Sol e à intempérie é a tapeçaria quotidiana que a cidade ou a pequena povoação estende como uma passadeira de honra ao transeunte; por mais humilde que ele seja.
A Calçada Portuguesa é obra de gerações de artesãos anónimos que laboriosamente talham e arrumam as pedras que pisamos sem  escrúpulo nem espanto.
Estes calceteiros ensimesmados em posição incómoda, encaracolados no seu delicado labor vão pedra a pedra compondo a urdidura viária da trama urbana: Aqui plantam flores de pedra Rosa Portugal; ali com vidraço preto e branco bordam narrativas históricas; rendilham ponto a ponto memórias e costumes; palavras de arauto e de poeta; desenhos de arquitecto; imaginações de artista. De maneira depurada por vezes, pedra a pedra, derramam estuários lisos de brancura.
O grande Etnólogo Leite de Vasconcelos escreveu que tinha encontrado pensamento filosófico profundo entre pessoas de vida austera e solitária que viviam isolados nas serranias pastoreando gado durante meses sem verem o seu semelhante, esses humildes analfabetos tinham encontrado dentro de si a revelação, as perguntas e as respostas do ser e da existência.
Os calceteiros parecem também eles ter esse tipo de capacidade de reflexão. Talvez que sejam a isto predispostos pela sua genuflexão contemplativa, embalada pelo martelar cadenciado das escodas e das picadeiras. A vénia da sua posição de trabalho concentra o seu olhar no horizonte próximo libertando a visão interior do ínfimo para o fundamental. Assim os detalhes adquirem a capacidade sintética que o símbolo encerra. As assinaturas dos calceteiros são uma voz simbólica composta na pedra que grava a marca de quem executou. A expressão mimética da diferente disposição do pormenor do mosaico torna-se muitas vezes imperceptível aos olhos dos não iniciados. A afirmação e a narrativa estão lá testemunhando com firmeza, mas sem alarde. Este livro mostra as fotografias desses registos: São rosáceas, flores, frutos, escudos, emblemas de toda a espécie. Mais do que a expressão da ordem no caos, são a afirmação de que o Caos encerra em si próprio uma ordem. A ordem que gostamos de chamar Liberdade.




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