quinta-feira, 21 de março de 2013

Os móveis de serradura



Houve um tempo em que os móveis eram feitos com as árvores. Os ebanistas aproveitavam a madeira de seres lenhosos magníficos cujo porte prodigioso remontava ao esquecimento de sucessivas gerações de silvicultores. Atribuía-lhes essa imemorabilidade a dimensão fantástica com que se faz a antiguidade. Os cortes que talhavam os lenhos e os preparavam para a secagem ao longo de décadas e a selecção entre a exposição dos anéis do cerne ao correr da fibra ou a topo, constituíam um conhecimento profundo e demorado do que é a natureza e de que forma se pode transformar o registo da passagem do tempo em arte e beleza.

Depois veio a modernidade e a correria. A moda que vê na natureza e no passar das estações uma possibilidade comercial de renovação contínua, aparentemente a baixo preço. Mas o mercado que descarta tem sempre esse problema de não reutilizar, de não transformar de não reabsorver. Os móveis passaram a ser feitos de serradura, aglomerada com cola. Revestidos com matérias compósitas plásticas. Passaram a ser feitos para durarem uma estação, um ano, no máximo um lustre enquanto a tendência do seu desenho se puder manter.
Os móveis hoje são feitos por mãos anónimas cuja habilidade foi desbaratada. A medida justa da sensibilidade foi entregue a movimentos robóticos de máquinas controladas por equações matemáticas complexas desenvolvidas por alguém que vive longe da madeira, das árvores e da natureza.
Hoje cada vez mais se deixa menos para as gerações vindouras. E os móveis já não se lhes podem deixar como herança. Não se pode partilhar com eles a memória: Naquela mesinha foi onde o bisavô ensinou a avó a ler. Naquele berço nasceram a avó, as tias, a mãe… Estas cadeiras vieram da casa dos outros avós bem como o guarda-vestidos e a cama…
Não deixamos os móveis mas não deixamos também as árvores da antiguidade. A Oliveira que já era velha no tempo dos franceses de Massena e era tão vasta que dava 700 Kg de azeitona. O Dragoeiro que talvez tivesse sido trazido na nau do próprio Vasco da Gama. O Castanheiro que esteve na presença de Dom Dinis e da Rainha Santa. O Carvalho que era do tempo dos Mouros e de Afonso Henriques.
Hoje os móveis são feitos de serradura e as florestas são destruídas para fazer serradura e óleos para queimar nos motores.

1 comentário:

Justine disse...

Tão pobres, os tempos de hoje! Pobres de princípios, pobres de cultura, pobres de alegria...