domingo, 30 de junho de 2013

Ainda bem que não me puseram a estudar música! (*)



Pois pois! Ainda bem que não me puseram a estudar música!

Eu bem pedi, tinha aí uns três anos, que me arranjassem um piano. Que não, que era muito caro!

Tanto pedi que o "menino jesus" me trouxe um vibrafone de palhetas metálicas dentro de uma armação azul claro com a forma de piano vertical em miniatura.

É evidente que o "menino jesus" não percebia nada de música nem de instrumentos.

A pedincha continuou: -Ao menos uma guitarra!?

Depois de umas gaitas-de-beiços do "Fado Portuguez" que a saliva e a curiosidade engenheira destroçaram, lá apareceu um violão plástico com linhas de pesca a servir de cordas e com cravelhas que desenroscavam ao tanger.

Aos seis anos a minha mãe lá foi falar com uma professora de piano. As aulas eram muito caras. -Mas tem piano em casa? -Não não tínhamos piano em casa; sim havia um piano em casa da tia-avó da criança, mas não era dela, era dos meninos da casa e ela era só a serviçal, e o piano não estava acessível, não se podia tocar em surdina, ter-se-ía de pedir autorização...

Ao entrar para a Escola Preparatória, no meu quinto ano de escolaridade, havia finalmente educação musical. E podia-se aprender a tocar um instrumento...

-Lamentamos muito mas todos os instrumentos estão já tomados não há violas, nem flautas. Privilegiamos os alunos que já têm formação musical sabe!?... Mas se tiver um instrumento poderá assistir...

O Gonçalinho tocava violino. Conhecia-o desde a instrumentação primária; da instrução primária quero eu dizer; em que tínhamos sido da mesma classe. O Gonçalinho soava mal mas no sarau de Natal a professora fez questão de sublinhar que era uma peça muito difícil e que representava um grande feito o Gonçalinho poder tocá-la assim tão mal.

Depois veio o 25 de Abril de 1974. Felizmente veio e acabaram-se as aulas de música. Decidi ir voluntáriamente aprender Inglês, era uma disciplina extra curricular, uma das aulas calhava ao Sábado, tinha de ir de propósito. Fui um bom aluno.

Entretanto esqueci-me de aprender música e passei a escutá-la. Dediquei-me a desenhar, que era coisa que desde tenra idade me incentivavam como forma de estar sossegado sem fazer barulho.

Agora penso, o meu pai trabalhava de noite e dormia de dia será que era por isso que não queriam que eu fizésse barulho?...Tocásse um instrumento como o Gonçalinho?

Nãaa! De facto não havia dinheiro para dar a um pobre. O máximo que a minha mãe fazia era dar-lhes um prato de sopa e uma carcaça com o que houvesse.

 (*)Este texto, inicialmente parte do comentário  feito à publicação "Vocação e Profissão" de Sexta-feira, 28 de Junho de 2013, do extraordinário blogue "Questões de Moral" de Joel Costa, acessível na minha lista de blogues; é aqui republicado com ligeiras correcções.


                    

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Venha ao nosso PiqueniCão e assista ao Nosso Artista de Eleição Deny Barreira a cantar a sua linda canção "Passo a vida a sonhar contentor"

Tu estás em mim como a dor 
nos calos, ou nas cruzes....
tu dás-me estalos, mas não abuzes
porque passo a vida a sonhar, contentor...

Passo a vida a sonhar
contentor
vou-te a ti  mandar 
contentor
seja para onde for
contentor...

vou-te pôr, vou-te enfiar, no contentor
isto assim não está a dar, contentor
vou-te mandar, vou-te despachar
contentor, para o TIR levar p´ró mar...


Passo a vida a sonhar
contentor
vou-te a ti  mandar 
contentor
seja para onde for
contentor.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Os Professores e a Cultura (*).

Sobre a Cultura disse o Professor José Hermano Saraiva:

"Conforme a Cultura a que somos expostos, ou nos tornamos Capitães da própria Alma, ou nos tornamos servos dos outros."

(*)Houve uma altura em que o Ministério da Educação também era da Cultura : Ministério da Educação e Cultura.

Estranheza

A estranheza é por vezes muito dolorosa para o próprio e um bem inestimável para alguns.
Os artistas padecem deste sofrimento e as ostras que produzem pérolas também.

domingo, 23 de junho de 2013

Turista Viajante





Antigamente não havia férias e quem se aventurava por terras estranhas tinha de ter uma boa razão para o fazer: Talvez procurar proventos, talvez procurar nova vida, aprender nova arte, procurar parentes, cumprir uma peregrinação, escapar de alguma injustiça, ser degredado... Ser mandado para a guerra.
Os relatos desses viajantes antigos assumiram uma dimensão mítica no imaginário dos que os ouviram ou leram. 
Em Portugal cultiva-se há séculos esta memória de narrativas em terras estranhas. De Fernão Mendes Pinto a Wenceslau de Moraes e a Ferreira de Castro os exemplos enchem uma biblioteca.
Com o advento do turismo pelo final do séc. XIX nasce um tipo diferente de viajante, aquele que faz da viagem um passatempo, uma recreação. O perigo é calculado, transformando o imprevisto e uma certa precaridade numa actividade lúdica intensa a que o viajante se submete num período de tempo determinado.
Júlio Verne descreve bem nos seus romances este tipo de personagem sempre pertencente às classes abastadas; desde a “Volta ao Mundo em 80 dias” até a “Thompson & Cia”.
Se bem me lembro neste livro “Thompson & Cia” publicado postumamente em 1906, há referências pouco elogiosas aos Açores que me desgostaram quando o li.
Este turismo das classes endinheiradas que se entretêm com a viagem quando o tédio os consome, serve de contraponto e apaziguamento à voracidade com que levam a sua existência, mas não deixa de ser um retrato dessa mesma voracidade.
Este turismo de deslocação e viagem é uma actividade cara e não acessível à classe trabalhadora. Talvez por isso tenha entrado no seu imaginário colectivo e se tenha transformado num objecto de desejo e quase necessidade.
A Portugal, um país de viajantes navegadores e andarilhos, este turismo chegou com o atraso de 100 anos, se for tomada como referência a data da publicação em 1873 de “Volta ao Mundo em 80 dias”.
A generalização do direito a férias sem perda de retribuição, com o recebimento do chamado subsídio de férias veio tornar possível este novo negócio que até essa altura tinha pouca expressão. Convém esclarecer que a verba, o dinheiro, dos dias de férias e o subsídio de férias não são uma quantia que se acrescenta ao salário mas sim um capital que a entidade empregadora retém na sua posse e só disponibiliza após completado um ano de trabalho.
Agora que muitos estão desempregados e quando muitos têm trabalho precário sem consagração de férias, o tempo de férias parece ter retomado a aura luxuosa de fausto de outro tempo quando se destinava a uma elite privilegiada.
O trabalhador comum que até há pouco era embalado e afagado nessa miragem da “classe média” e que era sugestionado a se julgar rico entre ricos perdeu a ilusão. A grande encenação desta democracia de consumo em que a liberdade se mede pela possibilidade de um trabalhador num impulso de euforia gastar todo o seu salário num objecto frívolo está à vista de todos e não presta nem para o que deve ser a Democracia nem para o que é a Liberdade. A liberdade do casino, do jogo de azar não é a Liberdade.
Com tudo isto contentes estarão os viajantes nossos contemporâneos que escrevem crónicas nos jornais, publicam livros e fazem programas de televisão com as suas aventurosas viagens. O fastio com que fogem da multidão e dos locais turísticos invadidos pela multidão releva, mais agora, a sua exclusividade como seres privilegiados. Temerários e heróicos, sua audácia vertida em sagas do cabo do mundo, ilustrada ao gosto juvenil entra já no domínio da lenda e do “sonho de uma vida”.
Pena é que de vez em quando nos soe ao ouvido uma expressãozinha vinda do fundo berço da sua educação esmerada, como uma que escutei; dizia ele, o viajante: “-Não entrei no Afeganistão porque na altura era um autêntico vespeiro!”
Esta capacidade de identificação de um país com uma colónia de insectos é no mínimo uma metáfora que define o turista viajante. Um espírito neocolonial, culturalmente intolerante, materialmente arrogante.
Os que não são turistas viajantes resta-lhes uma condição melhor; reconhecer o valor das coisas próximas e quotidianas. Saber como são boas as nêsperas em Março, as cerejas em Maio, os morangos em Junho... Como é bom o vinho tinto do Cartaxo e da Covilhã e de Lagoa, do Douro ou do Dão ou do Alentejo; como são boas as broas de centeio e as broas de milho. Como são belos os azulejos e a cerâmica em todo lado. Como é bela a poesia e tantos poetas, a música e tantos seus cultores. Como é bela e delicada uma paisagem morosamente construída e os seres que a fazem e nela habitam.