sexta-feira, 19 de julho de 2013

banco alimentar



A vizinha Fátima que está desempregada e tem os filhos desempregados vai uma vez por mês ao apoio alimentar de uma das Igrejas da Freguesia.
Há vários bancos alimentares activos: O da Igreja Católica, o da Igreja Evangélica, o da Associação de Reformados e Idosos, o da Associação Humanitária de Bombeiros... São numerosos. Talvez por ser um concelho empobrecido depois que fecharam umas atrás das outras as pequenas indústrias que lhe davam vida e a azáfama de formigueiro.
À Fátima enchem-lhe o carrinho de compras com massa, arroz, latas de salsichas, às vezes latas de sardinha, margarina para barrar o pão, margarina para cozinhar, óleo, sacos com uns grânulos de aspecto plástico a que chamam cereais estufados de pequeno-almoço, leite de longa duração, e uns iogurtes que não necessitam de refrigeração. Estes três últimos produtos são-lhe fornecidos porque tem uma neta adolescente e  uma bisneta bebé. Foi o que explicou a vizinha Fátima que dispensa alguns dos cereais à Lurdes do prédio gavêto que também queria receber leite e iogurtes e lhe disseram já não ter idade com 66 anos. Além disso o agregado familiar, que é só ela, não tem miúdos. 
A Anunciação do prédio da oficina acha que a ajuda alimentar que lhe oferecem é um cabaz com o mais barato da mercearia. A cunhada, a Piedade, que nunca concorda com nada que ela diga, afirma que é melhor receberem aquelas coisas do que não receberem nada, e que o que gastariam a comprar aquela ajuda, poupam, e assim sobra para comprar outra coisa. 
O homem da Rosário, a filha da Piedade, que é um pisco a comer arranjou solução para os cereais de pequeno-almoço e para o arroz que em casa não davam vencimento a comer. Comprou "pitos" na Feira das Galinheiras e vende os frangos já na engorda. As frangas guarda-as para ele, para porem ovos e sempre fica com dinheiro para o copito e para o tabaco. "E os frangos não se queixam do prazo de validade dos cereais." Diz ele.
A vizinha Fátima diz que homem da Conceição e o da Carmo do prédio do alfaiate é que fizeram bem, apanharam um terreno à sociedade e vá de cavar. Toca a cultivar. Tomates não lhes faltam. E abóbora para a sogra.
"Já não posso ver sopa de mogango" já ouvi eu protestar a velha pacense que na infância perdera a paciência e o gosto, à custa de comer quase diáriamente grão-de-bico e sopa de abóbora. A Augusta que enviuvara cedo e que cuidara até à morte do pai que cegara dos diabetes no fim da meia-idade tivera agora que abrir a sua casa para recolher as filhas, os genros e os netos que perderam as suas casinhas no incumprimento das prestações ao banco.
A sua reforma pequena e o complemento de viuvez que o seguro lhe paga desde que o marido morreu de uma pedra arremessada por um tiro de dinamite com que cortavam a estrada para o Algarve mal chega para comprar o que o banco alimentar não previu nas suas necessidades e ainda a conta da água, a conta do gás, a conta da electricidade. 


A porta da igreja entreabre-se, ficará apenas meia-folha aberta. Só entram três pessoas de cada vez. A longa fila que antes se formava agora é mais concisa as pessoas chegam com hora marcada a “janela de oportunidade”. O sol nas matinais 10 horas de Julho pode ser castigador. Poupam-se assim os assistidos de se quedarem à torreira, e poupam-se as doutoras e as técnicas de assistência social da responsabilidade de alguma insolação, desidratação ou desmaio por hipoglicemia na fila de espera.
Cruzo-me com aquelas pessoas que esperam ali necessáriamente quando venho da praça onde fui abastecer-me.
Comprei alface lisa e tomate cereja que é o que a Ana e Maria, a sua filha de um ano mais gostam. A vendedora assegurou-me que a sua fornecedora não usa pesticidas na produção.
Comprei um garrafão de vinho para o senhor José que já não pode carregar com ele e com as muletas.
Comprei 1 litro de aguardente para o senhor Manuel que foi proibido de beber aguardente pelo médico há mais de 10 anos e que já não a pode comprar por não lhe chegar o dinheiro. É um hábito antigo do senhor Manuel que o adquiriu quando construía viadutos e túneis. Com um copinho de aguardente combatia o frio noturno, serenava o medo das alturas, e vencia o terror de morrer subterrado quando ao fim de 12 horas de trabalho se deitava numa tábua sobre o rio de drenagem do lençol freático. O senhor Manuel tem 89 anos e em tempos emprestou-me dinheiro quando eu tinha salários em atraso.
Comprei também carapaus para a prima Hortense porque a praça fica longe para ela poder ir a pé. A prima Hortense é prima do senhor José. Ela gosta muito de carapaus fritos e lá em casa nem as espinhas sobram.

1 comentário:

Lilazdavioleta disse...

Há vidas que muitos de nós ainda não conhecem , nem estamos interessados em conhecer .

É mais fácil culpar " este e aquele " que aceitar a nossa quota parte de intervenção nos acontecimentos .