domingo, 24 de novembro de 2013

Recolhedores de metal

Dentro da taberna um homem vai bebendo cerveja de uma garrafa. A escuridão interior fornece-lhe atalaia para a rua íngreme onde passam homens e mulheres empurrando carregos.
São carretas improvisadas com os restos dos caixotes das encomendas dos transitários. Em algumas colocaram as rodas sobrantes das gaiolas de vagonetes logísticas. Alguns fizeram trenós aos quais fixaram rodas de cadeira de administrador executivo, outros colocaram rolamentos como nos carrinhos das brincadeiras de miúdos. O seu engenho a tudo recorre. Reutilizam e mobilizam como podem o que fôr necessário para transportar o precioso metal: cobre, alumínio, ferro.

– Não sabia que este bairro tinha tantos gandins! – Dizia o encarregado de obra, intermitente com a garrafa de cerveja nos beiços.
– As grades de metal foram todas, só as baias que eram em plástico é que escaparam. – O homem tinha mandado vedar as valas que andavam a abrir para a renovação da tubagem do esgoto pluvial mas durante o fim-de-semana a vedação tinha sido furtada.
– Se calhar estão ali nos ferros-velhos da rua de baixo.
De uma mesa no fundo da tasca um homem que lia o jornal entrou na conversa.
– É a necessidade sabe? Se não fosse a necessidade ninguém tocava em nada. – O homem de idade passou a mão em guardanapo pelo bigode fino, aparado num risco direito por cima do lábio.
– Aqueles barracões que ali vê,… era tudo fábricas. Trabalhavam de dia e de noite. Vinham camiões carregar material que íam daqui para o comboio e para Alcântara para o barco. Nem lhe passa pela cabeça o que dali saía. Ele era peças para os carros americanos, para os comboios, para o caminho-de-ferro, para os postes de alta tensão; ele era terminais eléctricos, ferros de engomar, torradeiras, panelas de inox; eles faziam bidons, detergentes, lixívia, eu sei lá… chegaram a ser feitas ali peças para os foguetões, para os satélites...
 Agora está tudo desempregado os velhos que se reformaram sustentam os filhos que estudaram, outros se tinham terra para voltar voltaram para a terra, muitos saíram do país e alguns que já tinham voltado voltaram a sair e levaram os filhos. O homem de bigode calou-se por um momento. – Esses que andam à sucata não são esses que roubam o País. Quando eu era miúdo tudo se apanhava até os ossos velhos se apanhavam para a farinha e para fazer cinza, andava-se à gandaia de tudo.
Era uma miséria terrível!– O da cerveja enquanto sacudia a garrafa para arrancar a última gota concluiu.
– e olhe que parece que esses tempos estão a querer voltar, há por aí alguns que os querem trazer de volta.

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