sábado, 23 de novembro de 2013

Um presente para Herberto Helder em forma de redacção que fala de uma desejada e inesperada oferta.



 O livro tinha saído há alguns dias. Não o mandei reservar na livraria e não pude ir logo comprá-lo.
Quando o procurei já não havia. 
Estava esgotado?... Não se sabia.
Diziam que não estava previsto que o distribuidor entregasse mais exemplares: “-…da editora não há informação que tenham o livro para entregar!” 
-Não está prevista nenhuma reedição?... A tiragem foi tão pequena para o autor em questão… Reedições não estão previstas? ...Reedições não estavam previstas!
Fui à Feira do Livro que decorria na altura e procurei-o no conglomerado editorial que detém a editora. Um rapaz educado mas sem verdadeiro interesse pelos livros, pela poesia, pela leitura e sei lá se pela vida, demorou-se em explicações que nada adiantavam à primeira resposta “Não está previsto que venhamos a receber o livro aqui na feira!”
Senti-me de novo na fila da padaria, em pleno racionamento. Tão perto do caixeiro mas já sem esperanças de que ainda houvesse um pão para comprar quando por fim a minha mão se apoiásse no tampo de mármore do balcão e aliviásse o cansaço dos pés.
 É claro que poderia esperar umas tantas horas pelo pão ainda a crescer para a próxima fornada, quero dizer, podia esperar que alguém conhecido tivesse comprado o livro, que me pudesse emprestá-lo mais tarde, ou que passagens fossem sendo transcritas, que poemas fossem republicados aqui e ali…

Tinha já perdido a esperança de ter o livro. Fazia planos para reservar livros futuros, mal saíssem, ou assim que se soubesse estarem no útero.
Mas então bateram à porta. 
Era um carteiro. Vinha para me ser entregue uma pequena encomenda de correio expresso. Afirmei o papel do recibo, com espanto e curiosidade por ter lido que fôra Beatriz quem encomendara o livro. Tinha sido comprado numa dessas lojas que entra em directo pelo visor que estiver ligado à rede informática, onde se pode fazer a compra no sítio em linha de quase tudo: motosserras e electrodomésticos, suplementos vitamínicos e livros de poesia. Um paraíso virtual do consumo a distância, com entrega rápida dos produtos, sem custo adicional de transporte para compras de montante irrisório... Um palácio de acesso rápido, num clic,  alicerçado num hipocausto subterrâneo, onde os produtos são recolhidos em plataformas logísticas por formigueiros anónimos de contratados mal pagos onde o dia não tem outra luz que a do LED e a do néon durante as 24 horas. Para minha grande surpresa Beatriz tinha descido ao Inferno para trazer o livro “Servidões” do Herberto Helder. O livro que tinha sido subtraído das estantes e escaparates das livrarias, sem esperança de reedição, para o mundo da compra on-line e quem sabe, dos alfarrabistas e livreiros de raridades.
Hoje que é dia de aniversário de H.H. decidi escrever esta história.
E agradecer-lhe a ele pelo que me tem dado, à Beatriz por me trazer os livros que desejo e não encontro, e aos trabalhadores anónimos que todos os dias se sacrificam quando contribuem para o bem e o conforto comum a troco de ganho insuficiente.
 Eu entretanto forrei o livro como é meu uso fazer a livros que manuseio muito e que me acompanham para todo o lado.

3 comentários:

olhodopombo disse...

Que legal! Eu adoro ler isso! Alguém correndo para ter um Livro.
Eu estava com saudades de voce....

Lilazdavioleta disse...

Esse livro vale muito . Misturado com as letras , encontra -se o carinho de quem
foi ao inferno , para to oferecer .

José Pinto disse...

Sim amigo. Eu tenho o livro. Em boa hora mo ofereceram também.
Convém lembrar que Servidões é de edição única e limitada.
Por isso guarde-o muito bem. É um tesouro.
Eu farei o mesmo.
Boas leituras.