segunda-feira, 31 de março de 2014

Uma taça, uma taça de café em honra do Senhor Ribeiro que hoje faz anos que nasceu. (Eisenach, 31 de março de 1685-Leipzig, 28 de julho de 1750)

As minhas memórias mais remotas têm aroma de café. As misturas de café da "Casa Africana", da "Pérola de Chaimite", da "Mariazinha"... 
 Quase tão remotas quanto estas, tenho memórias auditivas da música de Carlos Seixas e de João Sebastião Ribeiro 

Pois então ergo uma taça, uma chávena, uma malga... em memória do segundo que hoje faz anos e do primeiro que me despertou a atenção para aquele tipo de música a que chamaram música barroca. 
Quem quiser ao café pode adicionar um cheirinho.


domingo, 30 de março de 2014

Comentário a Justine sobre a poesia de Manuel António Pina, comentário justo diga-se...





Os lugares são
a geografia da solidão.
São lugares comuns a casa a cama.

(Segunda Pessoa, in Todas as Palavras, poesia reunida,
Manuel António Pina)




É por coisas destas que nunca gramei o Pina. Se a geografia é a descrição de qualquer coisa que me relaciona com um sítio, verdadeiramente uma memória, então é possível meter lá a solidão como se fosse um auto-retrato. Então e num contexto destes à Nobre de tão “Só” porque raio haveria o Pina de enfiar o pé na poça. Não poderia ele deixar o pé em suspensão? ...congelado como numa fotografia de acção? ...porque teve ele de enfiar o pé, retirá-lo, bater com ele no chão e salpicar tudo? Detesto ler um cenário dramático salpicado de humor, de ironia. Os lugares são coisa nenhuma. Ou deverei dizer coisa alguma. Não importa. Não quero sair daqui do meu quarto nem quero ir a nenhum lugar.



Sona Jobarteh - Jarabi


sábado, 29 de março de 2014

O ABAFADOR - Olho a realidade política em volta e vem-me à ideia o jogo do berlinde, do bilas, do guelas...

...mas sobretudo lembro-me do poder do Abafador.


 
O Abafador era um berlinde maior; no mínimo quatro vezes maior. 
Era de vidro. Apenas de vidro; nunca de madeira, plástico ou metal.
Os abafadores eram uma espécie de estrela negra, uma espécie de buraco negro com o poder de tudo devorarem. As próprias leis físicas alteravam-se na sua presença. Não havia regras de jogo que sobre eles prevalecessem, nem autoridade que acima deles regulásse. Tudo em ruína. Tudo tombado, ...de borco, arrasado, ...no chão de terra batida, ...no pó, ou ainda mais fundo, dentro das covas... e berlindes nem vê-los, lá íam confiscados pelo poder de abafamento do Abafador.
É claro que havia jogos específicos para os abafadores. Envolviam muitos berlindes em campo e cada jogo desses necessitava de grande património e capacidade de investimento que o jogador remediado não possuía. 
Quem jogava ao guelas não tinha habitualmente berlindes que pudesse perder em quantidade. Os que ía acumulando vinham de algum bilas sobrante de uma garrafa de pirolito que se partira por acidente; de um chupa-chupa dos que traziam agarrado ao palito plástico um guelas como brinde, ou de alguém que tivesse  conhecimentos numa oficina de automóveis que lhe pudesse  arranjar umas esferas de algum rolamento gripado. Poucos,muito poucos, eram os que podiam ir à papelaria ou à drogaria comprar berlindes, e escolher: as meias-luas, as leitosas, os olhos de gato, os asteroides...
Por isso os raros abafadores, passavam de geração em geração, de irmão mais velho para irmão mais novo.
Quem os tinha exibia-os como trunfo.
 Erguido como um talismã o Abafador conferia ao seu possuidor o poder de confiscar os berlindes que estivessem à mostra, em terreno de jogo. Assim sem mais nada. Quem não aceitava entrava então noutro jogo, o da pancadaria até que ganhasse o mais forte ou o mais resistente. 


quinta-feira, 27 de março de 2014

Auto-de-Fé, a Irmandade da Morte.




Irmão Morte

Acompanhava os condenados ao seu suplício, invectivando-os na tentativa de que eles temendo as dores da tortura do fogo eterno se arrependessem. O fogo era bem real, estava presente nas tochas que logo mais acenderiam os molhos de lenha embebida em pêz. Bem presentes estavam também as terríveis dores das queimaduras que as chamas provocariam .

Sanbenito.



 Sanbenito 

Era uma vestimenta em forma de escapulário, normalmente amarela, a cor dos pecadores que se arrependiam, feita de cânhamo, algo semelhante aos panos de vela dos navios, onde era cosida ou pintada a uma cruz encarnada de Santo André.
Era imposta nos autos-de-fé aos que confessando a "sua culpa" se arrependiam antes de serem julgados.
Poupavam-lhes a vida mas não o encarceramento nem a exclusão em que eram segregados dos demais.
O sanbenito tinha por vezes que ser usado durante anos enquanto durásse a pena, como estigma da infâmia do sentenciado e como  sinal de subjugação às leis do Santo Ofício. 
Nele por vezes eram inscritos os nomes de família para que parentes e descendentes sofressem também a vergonha e a dor do ostracismo.

terça-feira, 25 de março de 2014

Em Março as Mulheres e a Água.




Laura, Lucília E Lianor
A Cabeça Vertical Trazem
Com Carregos D'água Até À Noitinha
Nem Queixume De Fadiga Nem Estupor
Lavram, Linham E Quanto Fazem
É Melhor Que A Mãe D. Mariquinha



domingo, 23 de março de 2014

"Desconfio que nesta selecção o seu mestrado em turismo não lhe servirá em nada! "


A nossa organização recruta candidatos com as qualificações necessárias para servir a corporação e prestar um "serviço de excelência" aos nossos clientes.
O facto da sua língua materna ser o português, neste caso não é um "plus" dado que a empresa não está aceitando intérpretes. 
 

  Bem vê, o português não é língua "major" neste Hotel, ...quero dizer, os nossos clientes não são preferencialmente falantes da sua língua. Certo?
Ainda que sejam maioritáriamente lusófonos,... os "colaboradores" só poderão expressar-se nas línguas do empregador e dos seus residentes. Certo? ...Aquilo que chamamos as Línguas de Trabalho.
Falar português ou outra língua que não seja Língua de Trabalho implicaria suspensão e eventualmente cessação de contrato. Certo?


 


A Europa avançada está tão necessitada de "colaboradores" especializados como de frangos para o prato.



É claro que temos de vos apoiar e isso passa pelo aumento do salário mínimo dos nossos trabalhadores, temos de lhes proporcionar a possibilidade de virem  passar férias a Portugal e vos ajudarem a sair da crise.

quinta-feira, 20 de março de 2014

O rasto dos aviões.

"Há dias em que o céu amanhece de azul imaculado. Depois pouco a pouco, à medida que o Sol avança, o céu fica riscado de núvens brancas.Quem poderia imaginar que por cima de nós passem tantos aviões?...a ponto de o azul se tornar num véu leitoso de neblina."

quarta-feira, 19 de março de 2014

A iconoclastia ou a ironia na língua portuguesa.

"O pirito veio fazer a vestoria e como não se lhe untou as mãos foi um ver se te havias, armou-se em esperto, toca de botar defeito e a multar a torto e a direito."

Noutras línguas: Em alemão "Experte"; em inglês "Expert"; em francês "Expert"; em italiano "Esperto"; em espanhol "Experto"...um esperto é um perito. 
Só em português é que um esperto é alguém a quem não reconhecemos conhecimento, capacidades de avaliação ou interpretação, mas do qual esperamos alguma venalidade.

A injustiça em Portugal está cheia de espertos que ocupam tribunais e somem o dinheiro que não lhes pertence.

PORTUGAL NÃO SOFRE UM PROGRAMA DE "AJUSTE" ECONÓMICO; PORTUGAL SOFRE UM POGROM!

POGROM - É uma palavra que deriva do Iídiche pogromit.
Inicialmente de origem russa o prefixo po significa inteiramente e gromit  significa devastar.
Gromit vem da palavra grom que é utilizada para designar a tundra. Grom as terras altas geladas onde as árvores não crescem e nada se ergue acima do solo além de musgos e pequenos arbustos.
Em português temos uma palavra sinónima de Pogrom. Diz-se: Arrasar.

Em Portugal houve Pogroms ainda antes dessa palavra ter sido inventada para descrever os massacres de populações judaicas e do seu modo de vida que ocorreram na década de 1880 na Rússia e particularmente na Ucrânia.
Em Portugal os Pogrom chamaram-se Autos-de-Fé.
Ao contrário dos actos mais ou menos tresloucados como o massacre de judeus, cristãos-novos e outros ocorrido em 1506 frente à igreja de S. Domingos no Rossio que alastrou por toda a cidade de Lisboa, esfomeada e agonizante de peste, doente de ignorância e fanatismo; os Autos-de-Fé tinham uma rigorosa organização.
Uma organização institucional: Grandes desfiles e vasto público em admiração; dos mais ricos aos mais nobres, dos mais cultos aos mais religiosos, homens e mulheres,  idosos e crianças inocentes,  fidalgos e cabeças reais daqui e de toda a Europa.
Tal como agora.
Massacravam-se na fogueira de forma vil e atroz, seres humanos, no meio do maior sofrimento, queimando vivos ou moribundos, inocentes cujo crime era serem vítimas do preconceito e da intransigência moral e religiosa dos seus vizinhos.
A infame Samarra amarela que era imposta ao condenado "que não se arrependeu" mesmo após a tortura e o julgamento. Samarra de etimologia Basca Zamarra veste de pele de animal ou com pele de animal. Pano amarelo pintado com demónios e chamas infernais.


Há 3 dias fui a um edifício em Carnaxide. Um morador contou-me que uma sua vizinha tinha mergulhado no vão imenso daquela escada de mármore e tinha voado sem constrangimentos naquele olho elíptico entre o seu piso no 12º e o 7º andar. 
Só no sétimo é que tinha batido no corrimão e a partir daí no parapeito de outros andares. 
"Era professora, estava desempregada há bastante tempo, era nova mas já não era nenhuma menina."

Lembrei-me dos Pogrom, dos Autos-de-Fé e dessa capacidade de devastação comum à destruição que associamos à guerra. Lembrei-me que esse arrasar de vidas se pode viver hoje em silêncio, na surdina anónima do torpor de um subúrbio.