sábado, 29 de março de 2014

O ABAFADOR - Olho a realidade política em volta e vem-me à ideia o jogo do berlinde, do bilas, do guelas...

...mas sobretudo lembro-me do poder do Abafador.


 
O Abafador era um berlinde maior; no mínimo quatro vezes maior. 
Era de vidro. Apenas de vidro; nunca de madeira, plástico ou metal.
Os abafadores eram uma espécie de estrela negra, uma espécie de buraco negro com o poder de tudo devorarem. As próprias leis físicas alteravam-se na sua presença. Não havia regras de jogo que sobre eles prevalecessem, nem autoridade que acima deles regulásse. Tudo em ruína. Tudo tombado, ...de borco, arrasado, ...no chão de terra batida, ...no pó, ou ainda mais fundo, dentro das covas... e berlindes nem vê-los, lá íam confiscados pelo poder de abafamento do Abafador.
É claro que havia jogos específicos para os abafadores. Envolviam muitos berlindes em campo e cada jogo desses necessitava de grande património e capacidade de investimento que o jogador remediado não possuía. 
Quem jogava ao guelas não tinha habitualmente berlindes que pudesse perder em quantidade. Os que ía acumulando vinham de algum bilas sobrante de uma garrafa de pirolito que se partira por acidente; de um chupa-chupa dos que traziam agarrado ao palito plástico um guelas como brinde, ou de alguém que tivesse  conhecimentos numa oficina de automóveis que lhe pudesse  arranjar umas esferas de algum rolamento gripado. Poucos,muito poucos, eram os que podiam ir à papelaria ou à drogaria comprar berlindes, e escolher: as meias-luas, as leitosas, os olhos de gato, os asteroides...
Por isso os raros abafadores, passavam de geração em geração, de irmão mais velho para irmão mais novo.
Quem os tinha exibia-os como trunfo.
 Erguido como um talismã o Abafador conferia ao seu possuidor o poder de confiscar os berlindes que estivessem à mostra, em terreno de jogo. Assim sem mais nada. Quem não aceitava entrava então noutro jogo, o da pancadaria até que ganhasse o mais forte ou o mais resistente. 


3 comentários:

Justine disse...

Pois é, o abafador pode ser mesmo uma metáfora dos jogos de poder e influência de que a nossa sociedade desgraçadamente se alimenta.
Mas não é justo: o abafador era um objecto belo, e o jogo do berlinde tinha regras e era honestamente jogado...

Luis Filipe Gomes disse...

Maria abafaste-me o abafador!?

Luis Filipe Gomes disse...

Justine concordo contigo, o abafador era belo, como a maior parte dos berlindes de vidro e raro. O uso dele é que era abusivo. Os jogos tinham regras mais ou menos universais, e atrevo-me a dizer que eram regras democráticas uma vez que eram decididas pelo universo de jogadores do pátio, da rua, da sala de aula, da escola e valiam pelo menos um período lectivo até haver nova "convenção".