domingo, 30 de agosto de 2015

A fronteira - Atrás do arame.


Apanhando pêssegos num jardim europeu.


Valentina Lisitsa

Agora ao acordar apeteceu-me ouvir Valentina Lisitsa a tocar Rachmaninoff. Precisamente o que os passageiros de uma companhia de aviação holandesa podiam ouvir até há dias e agora já não podem. Valentina Lisitsa é ucraniana e parece apoiar na Ucrânia o lado que a  União Europeia e a NATO não apoiam. Assim baseados numa alegada reclamação de um passageiro cuja identidade se verificou ser falsa Valentina Lisitsa foi acusada de ter embaraçado o tal passageiro que ao ouvir a sua música ficou afectado pelas posições políticas de Valentina. 

Compreendo totalmente pois a maneira como ela nos brinda com Rachmaninoff é francamente ofensiva de tão descontraída e alegre. 
Espero que mais gente possa acordar brevemente para poder constatar isto mesmo.



Dormitando num jardim europeu.


sábado, 29 de agosto de 2015

Música do Mediterrâneo por uma vida melhor - Hüsnü Şenlendirici e Trio Chios



A canção de autor anónimo fala de um barqueiro e de uma jovem mulher que quer passar para a outra margem e que nada terá para oferecer em troca da boa vontade do barqueiro.

O espírito destes músicos entre os quais se encontra o Trio Chios e o clarinetista Hüsnü Şenlendirici julgo ser o oposto da realidade trágica que está agora a acontecer nas águas do Mar Mediterrâneo. São gregos e turcos que partilham um passado que se encontrou e desencontrou ao longo da história mas cujas feridas se esperam estar em vias de sarar definitivamente. 
Escolhi o tema porque nele se encerram sons característicos de Samarkanda no Uzbequistão, de Ascabade no Turquemenistão e porque o clarinete é um instrumento ligado ao Povo Rom que tem um som ora festivo ora profundamente dorido como o ney ou o duduk. 
Convém não esquecer que todos nós somos nómadas na génese da nossa ancestralidade. Como espécie evoluímos caminhando por natureza e por necessidade. Que a terra segura que hoje pisamos e julgamos ser nossa, amanhã pode ser um palco de destruição seja ela provocada pela vontade humana ou pelos Elementos da Natureza.
Também devemos ter presente na nossa memória que nos escassos 40 mil anos até onde podemos situar os antepassados dos quais nos julgamos herdeiros idênticos, as fronteiras naturais sempre foram motivo de evolução e desenvolvimento quando a vontade comum apostou em as ultrapassar. Ao contrário as fronteiras criadas pela organização social sempre foram motivo de guerra, de miséria e de retrocesso quando se criaram portagens, barreiras, muros, fortalezas e quando o ser humano decidiu ser predador de si mesmo.
 O vídeo termina com uma cúpula cheia de aves. As aves, neste caso os pombos, têm casa mas não têm fronteiras.

Mediterrâneo a Rota da Morte.


Carrêgo.


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Castanholas ou Trancanholas.

Homens com castanholas





























As castanholas mais simples eram duas talas de madeira de tamanho menor que um palmo. Resultavam das lascas de alguma sobra do entalhe feito em prancha ou tábua grossa de modo a ser encaixada em alguma viga ou em outro travamento qualquer. Após serem jogadas as talas umas contra as outras junto ao ouvido, escolhiam-se as mais densas e que soassem, com alguns cortes de mão acertada e navalha afiada, as duas farpas eram talhadas em objecto rítmico. Uma vez na mão competente seriam transformadas em instrumento musical. Com o dedo médio entalado pelas duas lâminas de madeira os tocadores sacudiam a mão em rodopios e ondulações à laia de asa de pássaro, ou de cauda de escorpião. Dos safanões ritmados com que sacudiam o ar tanto podiam soltar-se baques de coração entristecido ou crepitar estalos e estalidos em cadências de metralhadora.
Nunca soube porque lhe chamavam castanholas ou trancanholas. Parece óbvio que seriam castanholas por serem de madeira de castanheiro, ou por algumas adoptarem uma forma que parece a de uma castanha. Trancanholas porquê? Porque só ganhavam expressão trancadas entre os dedos do tocador? Não sei. 
Há iluminuras medievais que representam tocadores de trancanholas. O rastro das castanholas segue o Mar Mediterrâneo: Espanha, Itália, Países Balcânicos, Egipto, Turquia. Artefactos da antiguidade situam a sua origem na Fenícia, mil anos antes da nossa era. Mas o seu rasto pode ser traçado até à Índia. Ainda hoje existe na Índia um instrumento de nome Kartála que consiste num par de "talas" com que se marca o ritmo. Apesar de hoje em dia as kartálas apresentarem diversa formas e serem quase sempre de bronze, as formas mais arcaicas destas kartálas são semelhantes ás trancanholas e tal como elas, também eram feitas em madeira. Parece que "kartála" deriva do sânscrito "karta" significa mão e "tála" significa som.
Muito mais haveria a dizer sobre a maneira como se colocam nas mãos as castanholas e as trancanholas e como se pode variar a tonalidade com esse posicionamento. Como se pode recriar o efeito sonoro conhecido como efeito de Doppler. Dizendo de forma simples, recriar o som mais agudo que parece que se aproxima e o som mais grave que parece que se afasta, com a alternância de talas macho e talas fêmea. Ao ter numa mão fêmeas e noutra machos se consegue que soem a distância e o movimento. Mas isso de sons de fêmeas e machos é coisa para musicólogos ou outros ólogos.




quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Ana Hatherly II.


Ana Hatherly.


Sei do que Falo.

Há quem diga que ando a ver coisas que não são. Que o pão não tem nada a ver com isso. Que é mas é a minha cabeça... E que os confrades do pão (não perguntei qual a confraria) não dizem nada disso.
Então eu também lhes poderia dizer que sim, e que não, isto do Pão. 
Que é de  muita observação e conversa com quem o faz... que há padeiros na família. Mas isso há na de todos os que vieram da aldeia porque aqui há uns anos o pão era feito em casa e cozido no forno comunitário. Mas refiro-me aos padeiros que têm padaria à antiga, agora chamam-lhes panificações, daqueles que amassavam à mão e depois faziam a venda porta a porta pelas aldeias, onde as pessoas apesar de cozerem a sua broa de centeio ou milho a partir dos cereais que produziam, preferiam comprar o pão de trigo já cozido, ainda que o tal padeiro da minha família lhes vendesse toda a farinha de trigo que eles quisessem, mas eles usavam-na para as suas culinárias e preferiam o pão dele... safa que grande e cansativa era a volta das aldeias uma vez por semana por estradas de terra através da montanha.
Poder-lhes-ía dizer que ajudei o meu pai a construir um forno de abóbada com tijolo refractário, que era eu que acendia o forno e que avaliava a temperatura, que ajudava a minha mãe a amassar e a enfornar o pão... Que a tia Rita (irmã do avô) que era muito Católica muito Apostólica e muito Romana dizia às sobrinhas "Ai menina esse bico não, ponha dois rolinhos de massa em cruz."; "Por amor de Deus não faça uma racha se é de talhar é talhar em cruz." Mas isto da genitália feminina fica para depois.
Por agora a quem me disser que estou enganado eu apenas respondo: Têm razão Vossas Mercês. Vossas Mercês "é mais bolos" não é?...

 Bolo de São Gonçalo, Amarante, Portugal.

domingo, 2 de agosto de 2015

Vulva, Phallus e Pão.

A broa é o verdadeiro pão.
As broas antigas eram de painço depois foram de centeio, de trigo e agora são de milho.
A palavra broa é muito antiga e deve ter vindo com as pessoas que trouxeram as sementes com as quais se fazia o pão. 
Essas pessoas que vieram a pé do Oriente e de África e que nos deram a existência e a cultura, dos quais perdemos o rasto e cuja memória apenas sobrevive na etimologia, são os mesmos egrégios avós dos irmãos que agora deixamos morrer em naufrágio, ou em campos de concentração, na Grécia, em Itália, em Espanha ou em França.
A palavra broa existe em várias línguas bröt, bread, brood, breid, brea, broa. As palavras modernas derivam de termos arcaicos em que surpreendentemente a fonética se manteve. Para mim isso atesta a importância dessa tal broa como alimento universal. O termo parece indicar o produto fermentado, levedado e consolidado com a cozedura. Mas nada disso me interessa agora. Também não me vou perder agora na linguagem técnica das padeiras e dos padeiros tradicionais que para o fermento usam termos como crescente e para a massa que está a levedar dizem estar prenhe, ou estar finta. 
O que me interessa agora é a forma do pão. 
Não vou fazer uma reflexão profunda não tenho conhecimento para isso mas hoje deu-me para aqui. 
O pão português que de dia para dia se perde e se transforma em pasta mal levedada e mal cozida terá sido dos melhores pães do mundo. Assim o dizem as comunidades para onde Portugal exportou os seus padeiros: Brasil, África do Sul, Venezuela, América do Norte...
Agora que a modernidade parece ter destruído a rusticidade e a qualidade do pão tal como já acontecera noutros países da Europa resta-nos lutar para que ela possa permanecer e regenerar-se na intimidade dos que ainda fazem o seu pão.  
E já agora que não acabem os seus formatos tradicionais com subtis conotações à genitalia de tradição fortemente pagã.