terça-feira, 8 de setembro de 2015

Não guardo o dia em que o meu pai morreu.



Não guardo o dia em que o meu pai morreu. Nunca me demorei no dia e faço por o esquecer. Ao lembrar alguém que seja por um dia de festa e não por um dia de luto. Lembrar-me-ei inevitavelmente, de momentos de dor e desgosto, mas será porque foram ultrapassados e houve um futuro comum.
Quero saber que foi no início de Setembro e nada mais do que isso. 
Nasceu em Agosto e morreu em Setembro.
O meu pai gostava do mês de Setembro. Em Setembro na sua aldeia por todo lado havia fartura de fruta madura: pêssegos, figos, maçãs, uvas, pêras, melões. Cada tipo de fruta com inúmeras variedades. Lembro-me de me levar pela manhã às figueiras de figos moscatel pretos e brancos. De me revelar entre o calor da tarde as videiras com  cachos tintos perfumados do jaqué, e dos bagos colhão de galo do moscatel. Tudo o que era muito doce era moscatel tivesse sabor almiscarado intenso ou desse gosto só uma ideia súbtil restásse. Era uma forma antiga de percepcionar o gosto do açúcar na altura em que ele era raro e o que havia era de menor intensidade por não ser refinado.
Nem sempre foram doces os momentos com o meu pai. Lembro-me de muitos momentos amargos que passei com o meu pai. À medida que o tempo passa relembro os bons momentos e vou relegando os maus para uma página do índice da memória. Está lá o capítulo e o episódio, mas é coisa que não se retoma por falta de interesse.

3 comentários:

Maria Eu disse...

As tuas lembranças são muito parecidas com as minhas.
Os pais de outrora, em particular nas aldeias, deixavam os filhos mais à solta e não havia tanta intimidade. Parecia que mostrar muito amor era pouco próprio. Mas o amor estava lá!
Bom, termos memória dos afectos, para lá das divergências.

Beijos, Luís. :)

Unknown disse...

Ah, Filipe, que as lembranças perseguem-nos, por mais que as tentemos manipular.
As lembranças são a nossa própria vida, para além do presente.
E há pessoas que, mesmo ausentes, são presentes e mostram-se nas acções mais simples do cotidiano, quando repetimos gestos ou experimentamos sabores e odores partilhados no passado com essas pessoas que estiveram ao nosso lado.
Também eu, no mês do aniversário da morte do meu, entro numa espécie de transe hipnótico, de maneira a não tomar sentido à data, para que, chegado o dia, não dê por ele. Talvez pareça tola a muitos, e talvez até seja!, mas é uma estratégia que tem resultado a minimizar a dor que ainda insiste em apoquentar, passados tantos anos.
Porque os aniversários parecem potenciar a dor.

abç amg

olhodopombo disse...

o meu pai era misógino,
para uma filha mulher ter a consciência disso já basta....