sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O encontro de Fernando Pessoa com James Joyce num azulejo de 15cm

Na altura que pintei este azulejo tentava reproduzir a ideia que tive anos antes e que fácilmente deu origem a vários azulejos avulsos . Colocar escritores do meu agrado falando uns com os outros: Camões com Bocage, Florbela Espanca com Cesário Verde, Conrad com Pessoa, Pessoa com Joyce, etc.
Tenho dificuldade em copiar e reproduzir em série uma imagem mesmo que ela seja minha. O incentivo para mim é criar, não é copiar. Quando parece que copio um tema estou fazendo uma variação desse tema. Ou então estou a tentar resolver o que eu julgo não estar conseguido na forma, na composição, na mensagem ou onde quer que seja. Se por ventura estiver fazendo uma cópia, mesmo que seja mental, de alguma coisa que é minha autoria e o objecto que copio não esteja sequer presente, o meu subconsciente desaprova e a coisa não flui. Não me dou bem com a reprodução em série.
O azulejo que aqui mostro é daqueles que coloquei de lado. Ao sair da mufla avaliei o resultado e não estando dentro das expectativas coloquei-o de parte. Em termos indústriais é daqueles que não passou a triagem da mesa de escolha por apresentar defeito. 
O defeito resulta da reticência relativa à cópia que descrevi em cima. No caso deste azulejo  manifestou-se materialmente no resultado da execução da pintura. O pincel não deslizava uniformemente sobre o vidro, prendia aqui e ali. Tenho de explicar que nesta altura o vidro crú assemelha-se a uma camada de pó compacta muito porosa e absorvente, só depois de ir a um forno a mais de 1000 graus centígrados é que fica com a vitrificação que conhecemos dos azulejos das paredes. Nesse processo de cozedura as cores também se alteram e as camadas de pintura revelam-se em profundidade e intensidade.
Além do pincel não deslizar a diluição do corante que eu utilizava para pintar não mantinha a mesma concentração fluía ora muito espêsso ou tão diluído que quase só água ficava no traço que deixava. Na pintura de azulejo a humidade intensifica a tonalidade da cor no momento em que se pinta; uma vez enxuta só a camada superior da pintura é visível pois que também ela é um pó opaco que se sobrepõe ao pó do vidro da base, isto torna difícil avaliar até que ponto a opacidade é efectiva e suficiente. Só com a cozedura se revela o resultado final.


Neste azulejo fica patente que há linhas finas e fluidas com o mesmo valor de pigmentação e outras que se arrastam e empastam esborratando aqui e ali em larguras não pretendidas. Nas palavras escritas isto é patente para o olhar menos treinado.
A pintura de azulejo quando executada sem desenho prévio é um desafio para o olhar, para a mão e para o espírito. É semelhante a uma caligrafia, semelhante à escrita oriental de caracteres. A velocidade da mão não pode ser diferente da velocidade com que o pensamento dita o que a mão escreve porque o olhar apercebe-se, o pensamento impacienta-se e a mão vacila.



8 comentários:

Armindo S. disse...

Este assunto recorda-me uma passagem recente por Bali onde fui obrigado a abrir as malas por transportar vidros para pintura de azulejos e tive a sensação que esteve por pouco a detenção para averiguação de matérias duvidosas.

Armindo S. disse...

Este assunto recorda-me uma passagem recente por Bali onde fui obrigado a abrir as malas por transportar vidros para pintura de azulejos e tive a sensação que esteve por pouco a detenção para averiguação de matérias duvidosas.

Lilazdavioleta disse...

Como gostava de assistir a " este " encontro [ aprecio , bastante , ambos ]

Quanto ao azulejo... se este foi posto de parte , gostaria de ver os outros .

Lilazdavioleta disse...

Como gostava de assistir a " este " encontro [ aprecio , bastante , ambos ]

Quanto ao azulejo... se este foi posto de parte , gostaria de ver os outros

Justine disse...

Acabei de aprender uma "imensidão" de coisas sobre a arte de fazer azulejos! Obrigada.
E gosto muito da conversa entre Pessoa e Joyce!

Luis Filipe Gomes disse...

Armindo é necessário contares essas histórias todas, e publicá-las.

Luis Filipe Gomes disse...

Maria os outros perderam-se em paredes de cozinhas distantes. Em recantos de jardins interiores e exteriores nesse mundo fora. Só de alguns soube para onde íam pelos comentários entusiasmados deixados por quem os levou e nem eu já me recordo deles.

Luis Filipe Gomes disse...

Obrigado também Justine.