quinta-feira, 1 de junho de 2017

A BILHA DE GÁS - Poema de Armando Silva Carvalho





É o som de uma bilha sem gás
E isso acalma-me.
Não vejo o recipiente
Mas sei que aquele ruído não me engana
E que por enquanto posso
Confiar no mundo.

Uma bilha de gás doméstico
Para refeições, banhos e pequenos prazeres
Do corpo de uma pequena burguesia
Medrosa de todos os terrorismos
Que vêem nas televisões.

Nunca gostei dessa gente maciça
E sempre pronta a apontar com o dedo
O que não está nem fica nem merece nem sabe
O bem que Deus nos atribui
Com o dom da vida.

Conviverei com ela até ao dia do juízo
Não tive outro destino senão ouvir esses profetas
Medianos no patamar da escada
Ao jantar na província à vista da novela
Babada em desejos avulsos
Ao limpar os pés
Da morte.

Estendo-lhes a mão
E enceno uma comédia diária
E leviana que chega para o riso das artroses
E empurra os malefícios da guerra
Para o tempo virtual
Da sobremesa.

Cruzamos a nossa vida
Com inimigos do peito cegos o dia e a noite
Com outras alucinações
Que não cabem em bilhas de gás
Ou de outra natureza
Mais explosiva.

E a minha existência
Alonga-se na leitura dos textos
Na cobardia amável das teclas transformistas
Na doçura da chuva nas janelas
Na tarde que aparece
Sem surpresa.











1 comentário:

Lilazdavioleta disse...

Tenho a certeza que Armando Silva Carvalho gostaria deste óptimo desenho .