quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Há pessoas que quando falecem são como um museu que arde.

Nesse tempo era normal forrar os livros.
Também era normal passajar e remendar a roupa. Se se andava com as calças rasgadas, era só até haver possibilidade de as reparar. Havia mesmo cerzideiras e apanhadoras de malhas que trabalhavam na janela virada para a rua.
Na penumbra dos dias pequenos acendiam um pequeno candeeiro e sobre a boca de um copo de vidro grosso lá íam arpoando com agulhas finíssimas as malhas de nylon das meias de vidro.
-Trabalha para fora? perguntavam as potenciais freguesas. 
-Só vendo o trabalho. A minha vista já não me ajuda sabe; tinha aí uma aprendiza mas foi-se embora porque o ganho é pouco. Mas o que desejava a senhora?

 Tal como as modistas, os sapateiros, os estofadores, os empalhadores, muitas eram as profissões de res-do-chão. Vivia-se na mesma casa onde se trabalhava ou no vão de escada da porta de serviço. Não se olhava para estes pequenos negócios como sendo lojas porque em vez de porta de entrada havia uma janela e no caso de ser necessário contacto mais próximo tinha de se entrar no espaço privado.

No outro dia numa argumentação em que tive de atravessar para a outra margem sem me deixar arrastar pela corrente respondi a alguém que com sarcasmo irónico dizia que os cemitérios estão cheios de gente imprescindível. 
Sim! Os cemitérios estão cheios de gente imprescindível! Perdemos as pessoas, o seu saber, a sua experiência, a sua prática, a sua perspectiva, o seu testemunho. 
Há pessoas que morrem e é como se um museu inteiro tivesse ardido.





2 comentários:

Lilazdavioleta disse...

" Há pessoas que morrem e é como se um museu inteiro tivesse ardido. "
_ Tão verdade _

Maria Eu disse...

...nem as cinzas restam para consolo...